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terça-feira, 3 de abril de 2012



Estrias _ Striae distensae: fisiopatologia




A estria atrófica cutânea ou striae distensae (SD) é uma afecção muito comum que, apesar de ser considerada queixa estética, pode trazer importantes consequências psicossociais. Além disso, o seu surgimento pode refletir alteração do tecido conjuntivo e expressar condições patológicas locais e sistêmicas. Considerandose a multiplicidade de fatores envolvidos, a literatura é divergente e inconclusiva.

Há poucas pesquisas de boa qualidade sobre a fisiopatologia das estrias cutâneas. A maior parte dos trabalhos sobre estrias prioriza a terapêutica, havendo pouco interesse no entendimento da fisiopatologia. O conhecimento da fisiopatologia das SD é importante não somente para o desenvolvimento de métodos preventivos e terapêuticos mais eficazes, como para a melhor compreensão de alterações locais e sistêmicas relacionadas ao tecido conectivo.

Palavras-chave: COLÁGENO , ESTÉTICA , FIBRAS ELÁSTICAS , FISIOPATOLOGIA ,


INTRODUÇÃO

A estria atrófica cutânea ou striae distensae (SD) é uma afecção muito comum, sendo causa frequente de procura de consultas dermatológicas. Apesar de ser considerada queixa estética, pode trazer importantes consequências psicossociais.1 Além disso, o surgimento de striae distensae pode refletir alteração do tecido conjuntivo e expressar condições patológicas locais e sistêmicas.2

São caracterizadas, segundo Rabello,3 por “atrofias cutâneas de forma alongada, às vezes ondulosa, salientes, planas ou deprimidas, mas sempre moles e depressíveis, tornando-se, ao final de algum tempo, menos aparentes. A coloração é lívida ou azulada quando recentes, ao fim, branco nacarado. Ao toque dão uma sensação de moleza e de relativa vacuidade como se a pele repousasse sobre um plano móvel e fugidio. A direção corresponde, grosso modo, às linhas de clivagem ou tensão cutânea”.

As estrias podem associar-se ao período da puberdade, gestação, assim como à síndrome de Cushing,6 obesidade7 e ao uso tópico8 e sistêmico9,10 corticosteroides. Também são descritas associações com síndrome de Marfan,11 infecções como tuberculose,12 levantamento de carga e musculação,13 rápidas mudanças de peso, expansão tecidual, suturas com tensão14 e, mais recentemente, relacionadas à cirurgia de aumento das mamas.15

Embora alguns autores descrevam as estrias cutâneas como uma condição de estiramento ou distensão da pele, com perda ou ruptura das fibras elásticas na região acometida, outros observam que as estrias não surgem com frequência sobre a pele acima de tumores abdominais, ascites, hemorragias extensas ou grandes hérnias.6 Apesar de inúmeros estudos, a causa do surgimento das estrias ainda permanece obscura. Rosenthal16 propunha quatro mecanismos etiológicos na sua formação: desenvolvimento insuficiente do tegumento, incluindo deficiência de sua propriedades elásticas; rápido estiramento da pele; alteração endócrina; e outras causas, possivelmente tóxicas.

Considerando-se a multiplicidade de fatores envolvidos, a literatura é divergente e inconclusiva.

Para fins didáticos, os aspectos fisiopatológicos foram divididos em fatores genéticos, mecânicos e hormonais. Nove publicações referiam-se aos mecânicos, oito eram sobre os hormonais e oito sobre predisposição genética.

1- Predisposição genética

Alguns autores atribuíram à tendência familiar o surgimento de estrias cutâneas.4,17 Chang et al.,18 em estudo retrospectivo, encontraram fatores genéticos, como história familiar, antecedentes pessoais e etnia, como importantes preditores para o surgimento de SD.

Lernia et al.19 relatam o surgimento de estrias rubras em gêmeas monozigóticas de seis anos de idade. As pacientes não apresentavam características dismórficas ou deformidades músculo-esqueléticas. Tinham hiperextensão moderada das articulações e ligamentos. Não apresentavam alterações hematológicas ou endocrinológicas.

Os fatores genéticos podem estar envolvidos na presença de estrias, assim como podem estar associados a síndromes como Ehlers-Danlos,20 Marfan,11 displasia ectodérmica e striae distensae familiar autossômica dominante.21

Watson et al.22 atribuem a patogênese das estrias a alterações em componentes da matriz extracelular, incluindo fibrilina, elastina e colágeno. Lee et al.23 extraíram RNA total de cinco amostras de pele com estrias e estudaram a expressão de genes para procolágeno tipo I e III, elastina, fibronectina e beta-actina. Comparando com pele sem lesão, os autores observaram redução de genes codificadores de colágenos, elastina e fibronectina, além de uma acentuada alteração no metabolismo dos fibroblastos.

2- Agentes mecânicos

Segundo Shuster,24 a pele é um tecido heterogêneo e pode produzir três respostas em relação a uma força de estiramento:

1. Alongamento reversível, isto é, uma resposta de estiramento “elástico”;

2. Falha no alongamento, ao extremo, com clivagem, isto é, uma resposta rígida “inelástica”;

3. Mistura das duas respostas com estiramento limitado e rigidez limitada.

A terceira resposta corresponde às estrias cutâneas. O autor propõe que as estrias sejam sempre iniciadas pelo estiramento, não importando se o estímulo é excessivo ou mínimo. As ligações cruzadas de colágeno parecem ser mais importantes do que a quantidade de colágeno na resposta da estria ao estiramento. Um aumento das ligações cruzadas, como em idades avançadas, eleva a resistência à deformação por estiramento, mas essa rigidez leva à clivagem da pele e não à formação de estria. Por outro lado, a ausência de ligações cruzadas leva a elasticidade e estiramento excessivos, com eventual ruptura da pele se o estiramento vai além do limite da elasticidade, mas, novamente, sem formação de estrias. Estas ocorrem somente na pele em que o tecido conectivo é parcialmente maduro com uma quantidade crítica de colágeno com ligações cruzadas e colágeno imaturo “elástico”, que permite um grau de estiramento limitado e uma ruptura intradérmica parcial, ou seja, a estria. O balanço de estiramento e clivagem limitados seria um processo contínuo e uma adaptação às necessidades de crescimento na adolescência e mudanças na massa corporal no início da vida adulta.

Pieraggi et al.25 sugerem que as estrias sejam resultantes do rompimento das fibras elásticas devido às forças de tensão. As alterações histológicas encontradas nesse estudo, colágeno fragmentado, substância fundamental abundante e fibroblastos globulares e quiescentes que perdem todos sinais de secreção fibrilar, sugerem uma disfunção fibroblástica devida à distensão.

No entanto, Zheng et al.26 acreditam que as estrias sejam o resultado de uma reação inflamatória inicial que determina a destruição de fibras elásticas e colágenas. O processo seria seguido de regeneração das fibras elásticas na direção imposta pelas forças mecânicas.

Henry et al.27 observaram alterações das propriedades mecânicas da pele ao longo da gestação, com aumento da extensibilidade e manutenção da elasticidade, levando à formação de estrias, principalmente no último trimestre.

Piérard et al.28 relataram diferenças entre propriedades tênseis da pele com estrias in vivo e ex vivo. As propriedades tênseis da pele com SD foram marcadamente diferentes da pele aparentemente normal. Na pele com SD, todos os parâmetros reológicos de elasticidade e extensibilidade tiveram resposta anormal. Observaram aumento da extensibilidade no sítio das estrias. No entanto, em relação à elasticidade, relataram que está diminuída ex vivo e inalterada nas avaliações in vivo, provavelmente devido às forças intrínsecas presentes in situ. Os autores supõem que, nas SD, o tecido conectivo exiba resistência enfraquecida ao estresse tênsil.

Moraes et al.,29 em estudo sobre elasticidade e distensibilidade da pele, observam que é possível predizer o surgimento de cicatrizes atróficas e estrias cutâneas através de teste clínico de distensibilidade com deformação acima de 0,4 cm.

Há ainda estudos sobre as propriedades contráteis dos fi- broblastos da pele com SD30,31 que constatam que não há diferença significativa na geração de forças de fibroblastos das SD antigas em comparação com os fibroblastos de pele normal. Além disso, observam que as propriedades contráteis dos fi- broblastos das SD variam de acordo com o estágio da lesão. Nas lesões recentes, os fibroblastos têm um fenótipo mais contrátil, semelhante aos miofibroblastos.

3- Fatores hormonais e bioquímicos na gênese das estrias

Até muito recentemente, apesar de a participação de fatores hormonais ser citada em muitos estudos sobre estrias,4,5,6,8,9,10 principalmente em relatos de caso relacionados a gestação, puberdade e uso de corticosteroides, poucos verificaram efetivamente sua participação na fisiopatogênese das SD.

Simkim e Arce32 estudaram a excreção urinária de 24 horas de 17-cetosteroides e esteroides 17-cetogênicos em pacientes obesos. Embora a excreção média de todas as pacientes obesas (15,8 mg) tenha sido significativamente maior, comparada com a de pacientes não obesas, a maior excreção foi encontrada nas obesas que apresentavam estrias cutâneas (20,4 mg). Cerca de 78% das pacientes obesas com estrias apresentava aumento de 17-cetosteroides, mas esse resultado não foi estatisticamente significativo.

Cordeiro, Zecchin e Moraes33 observaram aumento significativo da expressão de receptores de andrógeno, glicocorticoide e, principalmente, estrógeno na pele com SD recentes, comparativamente à pele sem estrias cutâneas. A partir do estudo, supõe-se que as alterações de expressão de receptores hormonais ocorrem em um período temporalmente bem definido da formação das SD, portanto haveria diferença na ação hormonal sobre a pele nos diferentes estágios de evolução das lesões de estrias. Similarmente ao reparo tecidual que ocorre no processo de cicatrização cutânea, para que haja a formação das estrias cutâneas, deve haver uma reorganização e reestruturação da matriz extracelular (MEC) dependente de fatores capazes de iniciar o processo de degradação de macromoléculas da MEC, coordenada por estímulo hormonal.

Há poucas pesquisas de boa qualidade sobre a fisiopatologia das estrias cutâneas. A maior parte dos trabalhos sobre estrias prioriza a terapêutica, havendo pouco interesse no entendimento da fisiopatologia. Entre os estudos sobre fisiopatologia, a maioria enfatiza apenas um dos fatores associados ao surgimento das SD, sendo o fator mecânico o mais estudado. Talvez a dificuldade metodológica de realizar estudos laboratoriais mais aprofundados explique a escassez de estudos sistematizados sobre este tema. As SD são basicamente uma alteração dermatológica estética, desfigurante, porém inócua, portanto há restrições em relação a obtenção de material para biópsias cutâneas para estudos maiores, principalmente estrias recentes e estudos comparados com pele sã.

O conhecimento da fisiopatologia das SD é importante não somente para o desenvolvimento de métodos preventivos e terapêuticos mais eficazes, como para a melhor compreensão de alterações locais e sistêmicas relacionadas ao tecido conectivo.




Referências :


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